Tecido

A crise na indústria têxtil no Brasil

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Por: Estela Marques

maior cadeia têxtil completa do Ocidente, com capacidade de atuar desde a produção das fibras até a apresentação do produto final nas semanas de moda, enfrenta uma crise considerada inédita por atores do setor. Falta algodão para produzir tecidos no Brasil.

A situação viralizou com a thread da loja Brusinhas, no Twitter. A constatação da produtora em atuação há quatro anos é que as fábricas de tecido não têm fio para produzir malha, considerando que toda a produção de fio foi exportada. Ou seja: com o dólar na casa dos R$ 5, é mais vantajoso vender para fora do que abastecer o mercado interno com moeda tão desvalorizada como está.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, disse à publicação que pode haver um “estresse temporário de abastecimento“, devido à defasagem entre colheita e beneficiamento da fibra.

 

Primeiros sinais

Em conversa com o Moça, a responsável pela loja, que preferiu não ser identificada nesta matéria, contou que desde o ano passado já notava problema de distribuição na fábrica. Algo leve, pontual, mas que implicava suspensão de pedidos externos.

Depois da pandemia, no entanto, que casou também com a desvalorização do real, a empresária curitibana relatou que houve aumento no preço dos produtos, atraso nos pedidos e recomendação de encomenda com mais antecedência do que o normal.

“Por precaução, decidi fazer um estoque de malha. Não por medo do material faltar, mas mais pelos aumentos e atrasos. Não tinha uma perspectiva de ‘não ter’, nesse momento, apenas de atrasar por causa da junção de pandemia e alta do dólar. Como eu compro malha de outras fábricas e lojas, conversando com os representantes e donos, começou uma conversa de novo aumento e falta de malha, falta de prazo pra entregar”.

           Empresária dona da ‘Brusinhas’, que preferiu não ser identificada nesta matéria.

Segundo ela, em março o pedido mínimo pra cada cor subiu de 60kg pra 200kg. Além disso, o quilo, que era até R$ 39, agora custa R$ 50.

 

Conjunção de fatores

O diretor da Polo Salvador e membro do Conselho da Abit, Hari Hartmann, avaliou que não falta algodão no mercado, mas há uma conjunção de fatores que leva à crise, como recuo da demanda no início da pandemia, alta demanda do algodão no Sul e demanda de consumo imediata ainda no período de colheita do algodão, em junho/julho.

“Não é que esteja faltando algodão. Temos hoje uma produção muito grande, um terço da produção é para atender o mercado interno ao longo dos seis meses seguintes à colheita. Mas acontece que a demanda foi muito rápida e ao mesmo tempo. A própria China estava sem comprar. No momento que começou a abrir o mercado, coincidiu com o aumento do dólar. (…) como começou a aumentar o dólar, percebeu-se que ia ficar essa a matéria-prima. Sempre tem a especulação ‘vamos estocar pra não faltar’, e se estoca mais do que precisa”.

           Hari Hartmann, diretor da Polo Salvador.

Na avaliação do empresário, o que falta mesmo no Brasil é indústria de transformação capaz de tornar o algodão em fio. Hartmann estimou também que a fábrica a ser instalada no Oeste da Bahia deverá aliviar a situação.

“As indústrias de transformação da fibra estão muito demandadas e, como não tem capacidade instalada maior do que essa demanda, não tem muito pra onde correr. Enquanto o dólar estiver nesse patamar de R$ 5, até o final do ano o melhor cenário seria R$ 5,20, é bem importante que não se busque tanto a exportação da matéria-prima. Se exportar muito, vai faltar no mercado interno”.

           Hari Hartmann, diretor da Polo Salvador.

Diante do cenário, Hartmann avalia que o abastecimento deverá ser normalizado dentro de 60 a 90 dias, ou seja, até dezembro. Isso tanto para o algodão quanto para o poliéster, que também está em falta no país.

 

De olho no mercado interno

Aparentemente, não há solução imediata para a crise, além de esperar o tempo de transformação da matéria-prima. Por outro lado, a empresária curitibana dona da loja Brusinhas aposta em iniciativas que podem evitar situação semelhante a essa no futuro.

Uma delas é acordo entre produtores de algodão, empresas de fio e malharias para garantir entrega suficiente para suprir o mercado interno.

“Não tenho conhecimento suficiente pra dizer como isso deve ser feito, nem de quem é essa responsabilidade, mas acredito que o governo poderia, sim, intervir economicamente. Afinal, a função do Ministério da Economia é justamente atuar na economia, não apenas numericamente, mas com reflexos sociais, tendo em vista que a economia em si é uma ciência social. E acho que é responsabilidade social de toda empresa que atua no Brasil, plantando no nosso território, cumprir com o papel social da empresa. Com certeza ele não é usar o nosso solo, pessoas e estrutura logística para mandar nossas commodities pra foram num nível que traz como consequência uma cadeia produtiva inteira sem ter como operar”.

          Empresária dona da ‘Brusinhas’, que preferiu não ser identificada nesta matéria.